
Ser ou não ser imigrante, eis a questão
A escolha de ser imigrante em um país diferente, com cultura diferente e, possivelmente, uma língua diferente não é pra qualquer um!RELATO ESCRITO POR MAÍRA METELO
Venho tentando escrever sobre a imigração há mais de três horas. Que tema difícil! Comecei a escrever sobre xenofobia, os estereótipos físicos, culturais, sexuais e de gênero. Sobre a nossa saúde mental que é esmagada assim que a euforia da mudança assenta poeira.
Sobre a perda de pedaços da nossa língua. Sobre a perda das conquistas feitas no Brasil. Por exemplo, alguém com diploma da USP não é tão bem visto como alguém com o diploma da USYD (Universidade de Sydney). Eu sei que o da USP é muito melhor, mas aqui ninguém vê assim.
Nesse post você vai ler:
Desafios de ser imigrante
Pensei em falar da falta da rede de apoio, das faltas e vazios que precisamos lidar diariamente para que não se tornem buracos ou até mesmo grande cânions. Pensei em falar sobre o esmagador momento quando você recebe a notícia que seu pai faleceu e você aqui, do outro lado do mundo, num fuso horário que nem permite ligar pra sua mãe para confortá-la porque ela chorou tanto enquanto você estava dormindo que agora ela finalmente caiu no sono. A falta de rituais, de desfechos, a perda do seu senso de humor – nunca é igual na segunda língua.
A parte boa de imigrar
Pensei em falar sobre as coisas boas também, sobre ser a personificação da ponte ligando mundos, sendo uma embaixadora de um Brasil real, de trazer festa junina, capoeira, abrir uma empresa chamada Cobogó, explicar para o mundo que falamos portugês e não espanhol, de mostrar como se joga futebol das antigas, ter a experiência de saber que amor não está limitado à língua, viver uma vida mais tranqüila sem medo de sair de casa – ou de ficar em casa — com medo de bala perdida, assalto e violências diversas.
Pensei em falar sobre a beleza de ver seus filhos crescendo subindo em árvore e andando de caiaque numa baía despoluída, de fazer caminhadas numa floresta, de ir a estádio com o time adversário sentado do lado e não ter um pingo de violência e agressão. A capacidade de ensinar os filhos a serem bilíngues, e às vezes, até trilingüe desde o berço.
Tenho assunto à beça para falar, mas assim como meus sentimentos ambivalentes e contraditórios em relação à imigração, não consegui escrever nada que não tivesse o mesmo tom de caos e dualidade que minha alma guarda sobre o tema. Não consegui organizar os pensamentos.
O mix de sentimentos que é ser imigrante
O que melhor escrevi sobre a imigração foi no meu novo livro literário de ficção feminina contemporânea, Se Ninguém Soubesse Quem Sou, e aqui coloco o trecho sobre a reflexão de Tainá, a personagem principal:
“Ninguém é imigrante porque quer. Alguns anjos incorporados migram ou passam a vida viajando por uma causa como salvar uma floresta, defender um país, sei lá. Outros, mais bobos, se mudam por amor. Sem saber que, se o amor e a paixão não acabam, são transformados em pequenos gestos em datas especiais.
Os mais mundanos, egoístas que só eles, saem à procura do emprego dos sonhos. Mas estes são poucos, muito poucos. A maioria dos expatriados se muda por medo. A imigração é uma sobremesa salgada. É um pacto com os seres do submundo, é preciso assinar um contrato no qual sua alma vai vagar para sempre entre as memórias do passado e aquele lindo futuro da próxima viagem de volta à terra natal.
Um lugar pacífico e abundante. Imigrante é imigrante por necessidade ou ignorância. Eu me encaixo em todas estas categorias. Quando a gente migra ou imigra, não há presente, exceto aqui no aeroporto.
O aeroporto é uma espécie de igreja para as almas andarilhas. Aqui, mesmo sem ir, estou a esperar o conforto e a turbulência da minha alma. Onde a culpa e a redenção se encontram. Minha mãe.
Aqui, confronto meus erros, minhas angústias, minhas más decisões durante um tempo que depende da direção do vento, da boa vontade dos empregados na alfândega e da astúcia de mamãe em pegar a própria mala no carrossel apinhado de gente.
E, no final, no final eu recebo um sorriso, uma corrida e um abraço maravilhoso, me mostrando que estou perdoada. Santa mãe.” – trecho do livro Se Ninguém Soubesse Quem Sou, por Maíra Metelo (capítulo 10)
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Cada pessoa tem uma experiência diferente
Ninguém pode dizer como a imigração vai bater em você, garanto, no entanto, que será diferente com 3 meses, 3 anos e 30 anos. Talvez com 30 anos seja a pior fase, talvez seja a melhor.
As ambivalências e contradições normalmente são decorrentes dos nossos elos afetivos com nossas famílias e no âmbito do que conhecemos como nossa identidade.
Visto por esse aspecto, ainda bem que somos serem em conflito. Nossas experiências são todas diferentes, mas têm algo em comum: a eterna dualidade.
Acho que é isso.
Maíra é niteroiense, arquiteta, urbanista, escritora, imigrante e apaixonada por amplificar vozes de novos escritores. Acabou de lançar seu primeiro livro de ficção contemporânea, ‘Se Ninguém Soubesse Quem Sou’ , que atingiu o primeiro lugar de mais vendidos na Austrália e o décimo-terceiro no Brasil. No Instagram, dá dicas dicas inspiradoras de escrita, publicação e muito mais.
Instagram: @maira.metelo.author
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