Espera aí, que eu vou ali para me encontrar
RELATO ESCRITO POR CAMILA ALDRIGHI
Quando a gente é criança, mal espera por morar fora de casa para não ouvir as reclamações dos pais para ir lavar a louça ou poder fazer o que quiser na hora que quiser com quem a gente quiser, né? Ok, essas partes realmente acontecem, mas pode ter certeza que um mundo surpreendente de desafios te aguarda.
Morar fora da casa dos nossos pais e esvaziar um pouco o ninho nunca é fácil – seja para você ou para eles. Uns acham que o pior que há na vida de intercâmbio é sentir falta dos amigos e família; outros já acham que a pior parte é tentar se inserir na outra cultura que parece “tão mais fechada que a nossa”; e ainda há aqueles que acham que dividir apartamento com gente que você nunca viu é UÓ. Ok, mas será que não dá pra a gente tentar focar nas coisas boas e pensar nesse conhecimento incrível que a gente aprende sobre o nosso universo particular e o mundo que nos rodeia?
Quando vim para o Porto, em 2016, eu vi no mestrado em Design Gráfico e Projetos Editoriais uma possibilidade para me conhecer melhor, fora que, na “pior” das hipóteses, voltaria ao Brasil com pelo menos um mestrado nazoropa né mores. Nada mal, então! Só não contava com os inúmeros desdobramentos daquela famigerada palavra: i-mi-gra-ção.
Outro dia, enquanto falava com umas colegas, uma delas disse: “porque aqui eu não sinto que sou Fulana, sou simplesmente imigrante”. Aquela frase grudou na minha cabeça que nem super bonder. Realmente, deixamos de ser a filha da dona Maria e do seu José, que tem uma história x, uns bons amigos, para virarmos, de uma hora para a outra, em: a brasileira ou a imigrante.
Daí eu destaco algumas opções: aproveitar esse total esvaziamento e simplificação de quem somos para nos descobrirmos de verdade; entrar em crise e nos revoltarmos porque realmente não nos encaixamos nesse novo “formato”; ou um pouco de um com pitadas do outro.
O que aconteceu comigo aqui no Porto foi isso: andei muito com meus colegas portugueses de mestrado e era divertido perceber o quanto eles sabiam do Brasil para algumas coisas porque consomem muito a nossa cultura e o quanto que não tinham noção de outras. Ao mesmo tempo e sem nenhuma intenção de ser rudes, acabavam soltando alguma pérola que, devido ao choque cultural, me faziam refletir.
Foi por tentar submergir ao máximo nessa nova cultura que tive experiências maravilhosas como ir passar um natal com uma família portuguesa numa cidade no interior de Portugal e me pegar cantando músicas locais, conhecer algumas tradições locais como a do São João e também aprender todo um vasto repertório de palavras em Português de Portugal e reunir tudo em um dicionário. Quem me visse durante essa época, sabia que eu parecia uma detetive, porque sempre que não entendia o que estavam falando, já me botava a postos para anotar e perguntava: “comékié? Me explica issaê!”
Foi nesse período de descobrir palavras e descobrir a mim mesma que descobri a cidade em que estava – e me apaixonei perdidamente pelos seus cantinhos, como já era de se esperar. Lidei com a minha ansiedade dentre as ruelas medievais que me abraçavam em dias cinzentos do Porto (quem já veio conseguiu imaginar bem a imagem, né?), aprendi por onde andar e por onde não andar; quando visitar monumentos; a despretensiosamente encontrar lugares lindos; a desconectar para poder vivenciar e depois relatar; e tantas outras coisas que só em um livro bem enorme para conseguir contar.
Antes de sair de Brasília, cidade em que morei desde os meus 7 ou 8 anos, eu já comecei o processo burocrático passando por muito perrengue e, naquela época, definitivamente não tinha a quantidade de brasileiro vindo para cá e certamente não havia gente produzindo conteúdo relevante sobre a cidade. O refúgio eram as redes sociais e o boca-a-boca digital. Decidi começar a relatar cada pedaço do processo que passava em fotos, guardando documentos e tentando me lembrar de cada pedacinho. A ideia era realmente ajudar as pessoas a encontrarem o que precisavam para mudar de vida ou, como digo hoje: dar as informações que não recebi.
Quando cheguei no Porto, já vim com a ideia de fazer um guia sobre a cidade enquanto minha dissertação de mestrado, mas não sabia o quanto que realmente ao longo destes anos a cidade ia se entranhar em mim. Criei o Maracujá Roxo depois de alguns meses na cidade (que foi só resolução de perrengue) e, desde então, ele parecia um diário, onde escrevia os processos burocráticos aos quais passava, problemas com a água calcária do Porto ou até mesmo sobre como sobreviver a um inverno em Portugal.
Ajudar as pessoas, poder compartilhar experiências reais e dicas sobre a cidade, falar sobre as coisas boas e ruins de um intercâmbio ou criar roteiros que ajudem as pessoas a terem uma relação especial com a cidade realmente são coisas que preenchem e ajudam a atravessar os momentos difíceis muito bem acompanhada. Então, se eu puder deixar uma dica, para esse lado daí a tela ou para esse daqui é: coloca o pé no chão (de um jeito que não te impeça de voar), a mochila nas costas e dê bem-vindo às coisas boas e ruins de se viver sem pretensões.
Mestra Pokémon, dos Magos e em Design Gráfico e Projetos Editoriais. É publicitária e historiadora, mas, sobretudo, uma libriana típica. Acha que absolutamente TUDO é muito interessante – e isso faz com que goste de muitas coisas diferentes. Atualmente mora no Porto, mas aí viajou sozinha e descobriu que pertence mesmo ao mundo. Está sempre pronta para uma boa conversa, espera compartilhar um pouco da loucura de viver sozinha e descobrir alguns lugares do Porto e do mundo com você. E então, vamos?
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